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25 junio, 2012

Por que “nuclear” assusta tanto?


Por Leonam dos Santos Guimarães (*)

Diga isso em voz alta: NUCLEAR. Como você se sente? Muitas pessoas têm associações negativas com a palavra, sentimentos que foram amplificados desde que um terremoto e tsunami de severidade inusitada atingiu as usinas da Central de Fukushima Daiichi, no Japão, dia 11 de março de 2011.

As autoridades de saúde continuam a enfatizar que os níveis de radioatividade que atingiram o público não vão nem chegar perto de prejudicar a saúde humana. Foram traços que não constituem motivo de preocupação.

Se não há perigo real, por que o medo? As pessoas geralmente pensam sobre o risco do ponto de vista emocional, não de uma avaliação racional. Veja como você realmente calcular o risco: multiplique a probabilidade de evento indesejado pela gravidade de sua conseqüência. Mas se você pedir as pessoas para avaliar riscos, as respostas certamente não correspondem a esse cálculo. Elas responderão com sua intuição. Uma alta porcentagem das pessoas associa usinas nucleares a armas nucleares. Essa associação ainda está nos corações e mentes e condicionam as reações à geração elétrica nuclear.

Alguns dizem que nossa aversão à energia nuclear vai mais longe do que isso. A forma como pensamos sobre a energia nuclear tem raízes anteriores à descoberta da radioatividade em 1896. Os alquimistas medievais, por exemplo, estavam interessados em transmutação, que se define como o renascimento através da destruição. Idéias sobre a transmutação e cenários apocalípticos se reuniram em torno do potencial da radiação, percebida como perigosa demais.

Na década de 1930 a maioria das pessoas associava a radioatividade com raios estranhos que podiam causar uma morte horrenda ou o milagre de uma nova vida, com cientistas loucos e seus monstros ambíguos, com segredos cósmicos da morte e da vida; com uma futura Idade de Ouro, talvez alcançada apenas por meio de um apocalipse, e com armas potentes o suficiente para destruir o mundo, exceto talvez para alguns sobreviventes.

Os bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki confirmaram esta estrutura de imagens de esperança e medo, e fez tais idéias proeminentes. A desconfiança cresceu no início dos anos 1960, com as autoridades nucleares sendo consideradas como homens perigosos, quando não como cientistas loucos. Um movimento social eclodiu contra usinas nucleares na década de 1970, juntamente com o medo de bombas atômicas, associando energia nuclear à morte. Então veio Chernobyl, em 1986, o maior acidente nuclear do mundo, que prejudicou ainda mais a percepção da energia nuclear.

Hoje, as pessoas são submetidas regularmente a procedimentos diagnósticos chamados de “ressonância magnética”, mas a técnica foi originalmente chamada de "ressonância nuclear magnética", com o primeiro teste com seres humanos feito na década de 1970. Mas por causa das más associações, ninguém queria entrar em uma máquina chamada "nuclear", e assim o nome foi alterado.

Diversos estudos internacionais mostram que, na indústria de geração elétrica, a nuclear é aquela que provoca o menor número de mortes por quilowatt-hora produzido. Aqui estão alguns números reais: 10.000 pessoas terão morrido de câncer de resultado de Chernobyl, o maior acidente nuclear do mundo, de acordo com algumas estimativas bastante pessimistas. Mas a poluição das usinas a carvão causa um número bem maior de mortes a cada ano. Mas estamos falando de uma forma invisível de morrer mais cedo - por câncer, em Chernobyl - versus outra forma: a poluição do ar por partículas finas.

Em Fukushima Daiichi ninguém morreu por doenças decorrentes da radiação mas o número de mortos decorrentes dos efeitos do terremoto e tsunami foi maior que 16.000 pessoas. Ao invés de nos preocuparmos com traços de radioatividade que são eventualmente encontrados e diversos locais do mundo, porque são muito fáceis de medir, seria mais importante nos mobilizarmos para ajudar as vítimas do tsunami e o terremoto.

A familiaridade com um risco é parte fundamental da sua percepção. Algo que é relativamente desconhecido para você vai parecer mais perigoso do que algo que você já se expôs anteriormente. E a geração elétrica nuclear e seu funcionamento não são temas nos quais as pessoas estejam familiarizadas.

Isso explica porque é nas comunidades mais próximas das usinas nucleares que se encontram os mais altos níveis de aceitação, decorrentes da convivência e maior conhecimento, que fazem com que a percepção dos riscos seja mais realista, mas também por uma percepção mais clara dos benefícios associados.

Curiosamente, a radiação deveria ser familiar a todos, já que é em toda parte. A radiação está em torno de nós, vinda do sol, do espaço e de outras fontes naturais na própria Terra. E ela é empregada rotineiramente em procedimentos médicos, como raios-X e tratamentos de câncer. Mas a consciência de que a radiação pode levar à temida conseqüência de câncer nos faz sentir mal sobre a exposição a usinas nucleares.

A radioatividade natural existe na Terra desde que o planeta se formou. São cerca de 60 radionuclídeos presentes na natureza. Eles são encontrados no ar, água, solos, rochas e minerais, bem como nos alimentos e no nosso próprio corpo. Cerca de 90% desta radiação ambiental provem de fontes naturais, sendo a maior delas o gás radônio.

Alguns locais no mundo, chamados de Áreas de Alta Radiação de Fundo (High Background Radiation Áreas – HBRAs) têm, anomalamente, altos níveis de radiatividade naturais, muito superiores à média do planeta. A geologia e geoquímica das rochas e dos minerais encontrados nessas áreas têm a maior influência na determinação de onde esta alta radiação natural aparece.

HBRAs extremas são encontradas principalmente em regiões tropicais, áridas ou semi-áridas, como Guarapari (Brasil), sudoeste França, Ramsar (Irã), partes da China e Costa do Kerala (Índia). Em certas praias do sudeste do Brasil, especialmente no sul do estado do Espírito Santo, os depósitos de areias monazíticas são abundantes. Os níveis de radiação externa nestas areias da praia negras corresponde a quase 400 vezes o nível normal de radiação de fundo no mundo. Estas areias da costa brasileira têm várias minerais radioativos, dentre eles monazita, zircônio, torianita e columbita-tantalita, bem como minerais não radioativos, incluindo ilmenita, rutilo, pirocloro e cassiterita.

No sudoeste da Índia, ao longo dos 570 km de extensão da costa do estado de Kerala, há também grandes jazidas de areias ricas em monazita, com elevada radiação natural. Os depósitos de monazita são ainda maiores do que aqueles encontrados no Brasil, mas a dose de externa de radiação é, em média, semelhante às verificadas em nosso País.

Ramsar, uma cidade no norte do Irã, tem os mais altos níveis de radiação natural no mundo. Exposições tão elevadas como 260 mGy/ano já foram registrados em Ramsar. A unidade de radiação ionizante utilizada aqui, grays por ano, corresponde a 1 Joule de energia transferida a 1 kg de tecido vivo (o miligray, mGy, que é um milésimo de gray, é mais comumente usado). Uma exposição de corpo inteiro a uma dose uniforme de 3-5 Gy mataria 50% dos organismos vivos expostos num período de 1 a 2 meses.

A característica mais interessante em todos estes casos é que estudos epidemiológicos mostram que as pessoas que vivem nestes locais HBRAs não parecem sofrer qualquer efeito adverso sobre a saúde como resultado de suas exposições elevadas à radiação. Pelo contrário, em alguns casos os indivíduos que vivem nestas HBRAs parecem ser ainda mais saudáveis e viver mais do que aqueles em locais de controle que não são classificados como HBRAs.

Estes fenômenos colocam muitas questões intrigantes. Se eles fossem mais conhecidos do público, talvez criasse aquela familiaridade, tão fundamental para a percepção de riscos, que possibilitaria não termos tanto medo do “nuclear”.


(*) Assistente da Presidência da Eletronuclear e membro do Grupo Permanente de Assessoria em Energia Nuclear do Diretor-Geral da AIEA
 
 
GUIMARÃES, Leonam dos Santos. Por que “nuclear” assusta tanto? Revista Eletrônica Estratégia Brasileira de Defesa – A Política e as Forças Armadas em Debate, Nº 71, Rio, 2012 [00-28-11-1983].